
Ele não conseguia fazer com que as pernas parassem de tremer, então se encostou à janela e ficou em silêncio.
Uma vontade incontrolável de esvaziar a bexiga somou-se ao ritmo descompassado do coração, obrigando-o a se aliviar ali mesmo, no ínfimo espaço entre as quatro paredes. O lugar de tábuas mofadas e chão de terra batida, em nada se parecia com o seu antigo endereço. Ali o frio e o calor se alternavam em disputa acirrada por frestas entre a madeira e buracos no telhado. Ele apertou um pouco os olhos para observar as ruas lá em baixo. Àquela hora da madrugada os habitantes do vilarejo dormiam inundados pela claridade da lua cheia. Do bosque chegava o perfume adocicado que o fazia salivar. Edu sentiu o estômago se contorcer em um lamento suplicante.
Duas horas se passaram até que a fraqueza conseguiu lhe dobrar os joelhos e, implacável, empurrou-o ao chão. Uma febre alta e repentina tomou conta de seu corpo, fazendo-o mergulhar em espiral de devaneios.
As pernas de correr mundo, de saltar obstáculos, de marchar imponente, agora o levavam para bem longe dali. No alto da montanha, o vento gelado lambeu o seu corpo. Ele fechou os olhos e lembrou-se do último campeonato, quando levou a menina pela segunda vez ao pódio. Na ocasião, fora agraciado por uma longa salva de palmas e a faixa de campeão. Edu sacudiu os cabelos outrora fartos, de tonalidade escura e brilhante. Sacudiu-os para esquecer-se do percurso dos últimos tempos. Então, uma lágrima rolou silenciosa.
Livre. Enfim, livre.
Os primeiro raios de sol recém despontavam, quando Joana seguiu as pegadas das ferraduras até o velho galpão ao lado do casebre. Entrou correndo com o policial, bem a tempo de empurrar o homem que, enfurecido, levantava o chicote. Procurou pela cópia do papel onde há muitos anos ela mesma havia guardado. O bolso de couro, confeccionado sob a sela, escondia as iniciais do haras de sua família, a fazenda que ficava distante alguns poucos quilômetros dali. Quase não o reconheceu por baixo da crina no alto da cabeça, sentiu o sangue subir-lhe às faces ao se dar conta de que o corpo, ainda quente, jazia coberto de ferimentos.
Emocionada, ela olhou outra vez para o papel amarelado pelo tempo. Por um segundo, ainda pensou que tudo aquilo pudesse ser mentira. Só quando entendeu que aquele era o documento de Edu percebeu que havia perdido o seu menino.
(Catia Schmaedecke)
Porto Alegre, 20 de setembro de 2021.